Como você imaginaria o estúdio de um mangaká profissional? Estantes de mangás, mesas cobertas com pilhas de ilustrações, rascunhos, story boards e materiais do ofício como pincéis, lápis, canetas e réguas espalhadas por todo canto, certo?Bom, com certeza eu não sou a única que pensava desta forma.Então, vamos saber um pouco sobre o primeiro brasileiro a fazer sucesso como mangaká profissional e o seu dia-a-dia:
Da mesma forma que dizem que “todo brasileiro já quis ser um jogador de futebol”, a maioria dos adoradores de anime e mangá um dia sonhou em ter uma obra de sua autoria publicada. Kamiya Yuu não só conseguiu realizar tal feito, como também provou que o mercado de quadrinhos nipônico não é tão fechado para artistas estrangeiros como aparenta ser.
Exceto as estantes de mangá, nada de milhões de papéis com desenhos e rabiscos espalhados pelo seu ambiente de trabalho. Em vez de bagunça, muita organização. Seu escritório contém sua mesa com 6 monitores de computador e um tablet fora das proporções convencionais. Sua escrivaninha parece uma cabine de controle retirada de um filme no melhor estilo Guerra nas Estrelas. Tanta tecnologia dispensava o desenho a mão. Na tela do enorme tablet, traços digitais do seu mais novo mangá: Greed Packet Unlimited.
“Não são todos os mangakás que utilizam equipamentos e softwares tão modernos. A maioria ainda prefere desenhar com papel e tinta à moda antiga”, explica Kamiya, em japonês sem sotaque. Apesar da fisionomia mestiça puxada mais para o lado verde-amarelo, o autor não mantém fortes vínculos com a terra-natal, muito pelo contrário, “às vezes me dou conta de que não nasci aqui. Raramente uso o português. Entendo tudo que ouço no idioma, mas sinto dificuldade em montar uma frase”, comenta. Kamiya chegou ao Japão cedo, aos 7 anos, quando seus pais decidiram se tornar dekasseguis. Na época, o mangaká ainda era chamado pelo seu verdadeiro nome: Lucas Thiago Furukawa.
Lucas Thiago Furukawa - As lembranças do Brasil remetem à vida no interior, quando a família de Lucas morava em Uberaba, Minas Gerais. Assim como muitos nikkeis, seus pais resolveram se mudar para o Japão atrás de estabilidade financeira no começo da década de 90. Sem muito contato com a cultura nipônica até então, Lucas só sabia falar “arigatô”. A comunidade brasileira ainda não desfrutava da infra-estrutura atual, por isso o choque cultural foi grande quando ele entrou para o shogakko (primário) nas escolas japonesas. Por ser “diferente” e por não conseguir se comunicar, Lucas inevitavelmente sofreu nas mãos dos colegas de classe.
Mas à medida que os anos se passavam, a barreira do idioma ia se tornando menor, e uma nova paixão ia crescendo. “Comecei jogando videogame. Gostava do gênero RPG e na época que estava entrando para o chuugaku (ginásio) já conseguia ler em japonês, o que me motivou a assistir animes e ler mangás”, relembra. Depois das turbulências vividas na fase de adaptação ao novo país, Lucas se identificou completamente com a cultura pop e se tornou um legítimo otaku do arquipélago.
Assim como muitos fãs das animações e quadrinhos japoneses, Lucas decidiu se aventurar como desenhista. Quando tomou gosto pela coisa, um colega que havia percebido o seu potencial o aconselhou a participar do Comic Market, evento que reúne milhares de mangakás amadores em Tokyo para expor seus trabalhos. Em menos de um mês, Lucas criou uma história que envolvia personagens de mangás já consagrados, no melhor estilo “dojinshi” e se inscreveu na exposição. O resultado não foi dos melhores, mas a experiência havia lhe agradado. Começou a apresentar seu trabalho em todas as edições da feira até que um dia o inesperado aconteceu. Um “olheiro” de uma uma editora de mangás havia gostado do seu estilo.
Kamiya Yuu - Apesar de não estar satisfeito e considerar o próprio traço “feio” na época, Lucas recebeu a proposta de fazer ilustrações para o site da editora. Os dias de “bico” duraram aproximadamente meio ano, até o rapaz adotar o pseudônimo “Kamiya Yuu” e ser convidado a publicar sua própria obra nas edições mensais da revista Dengeki Maoh. Como qualquer outro mangaká profissional, Lucas, ou melhor, Kamiya Yuu, tinha direito a 33 páginas para elaborar a história que quisesse, é claro, sempre com a supervisão de um editor. Com a nova proposta - e com as economias dos bicos - ele se mudou para a província de Saitama, próxima à região que faz divisa com Tokyo. Começava uma nova vida sob o codinome Kamiya Yuu.
Antes de se isolar no escritório para desenhar o primeiro capítulo de “Earise” (Earth), o autor lembra que estava empolgado e se sentia preparado para lidar com a nova profissão. Ledo engano, comentaria mais tarde. “Durante a produção das 33 páginas que dura aproximadamente 20 dias, acho que consegui dormir um total de 50 horas. Foi realmente muito sacrificante e cansativo, sem contar a pressão. (Além de seu mangá, outros profissionais do ramo, alguns com anos de experiência, também desenhavam para a publicação). Fiz e refiz cada página várias vezes, pois nada me satisfazia. Foi realmente um inferno!”, conta Kamiya.
A experiência parece ter sido bastante traumática, pois o mangaká afirma que sentiu mais alívio do que alegria quando segurou nas mãos o primeiro tankobon de Earise. (Depois que os capítulos dos títulos publicados nas revistas acumulam um certo volume, eles ganham o tradicional formato livro, os chamados tankobon). Depois de três anos compenetrado com Earise, e de certa forma, ganhando espaço no mercado do gênero, Kamiya recentemente lançou outra obra, intitulada “Greed Packet Unlimited” pela mesma editora. Além da segunda empreitada, os pedidos de ilustração foram aumentando, fazendo com que o mangaká pedisse a ajuda de mais três assistentes, sendo que um deles, o responsável pelas artes em 3D, divide o mesmo apartamento. As outras duas ajudantes também costumam “morar” na casa em épocas de muita correria.
Em compensação, Kamiya pôde bancar o equipamento supermoderno, facilitando o serviço diário. Por conta do processo que utiliza tecnologia de ponta, um dos empecilhos que o desenhista encontra atualmente é contratar assistentes que saibam mexer nos softwares e tablets de última geração.
Dia 26 - “Já tenho o desenrolar da história, do começo ao fim, pronto em um arquivo de texto com todas as falas dos personagens. Dividi o enrendo de acordo com o número de capítulos previstos. Começo a checar o “script” mais ou menos no dia 26 de todo mês, depois que enviamos o capítulo anterior para a gráfica.”
Dia 27 - “Me encontro com o editor da revista no dia seguinte, já com o rascunho inicial pronto. Faço os rabiscos em um caderno qualquer, a lápis mesmo. Nos reunimos em qualquer café ou restaurante e ficamos praticamente o dia todo conversando a respeito do capítulo.”
Dia 28 - “Cada mangaká tem sua própria maneira de produzir o capítulo, por isso, não existe uma forma convencional. No meu caso, faço as devidas mudanças indicadas pelo editor e jogo as falas nos balões. Também organizo os quadrinhos de acordo com o projeto. Esse processo inicial demora pouco mais de 2 horas.”
Dia 28 a dia 2 do mês seguinte - “Ainda no mesmo dia, começo o ’shitagaki’, ou seja, faço o rascunho já com o tablet. Já sei a delimitação de cada quadro e o espaço para os balões de fala. Termino de desenhar as 33 páginas em aproximadamente quatro dias.”
Dia 2 a 7 - “Graças ao programa e ao sistema moderno que utilizo, posso clarear o desenho inicial, do desenho definitivo. Aqui, em azul, está o rascunho que fiz nos quatro dias anteriores. Agora o foco do trabalho é reforçar o traço dos personagens.”
“A partir daqui, divido o trabalho com os assistentes. As partes monótonas eu repasso para eles (risos). Eu me foco mais ainda nos personagens, colocando diferentes tonalidades de cinza para “colorir” algumas partes.
Reparem que há traços que expressam movimentos. Dessa forma, o desenho ganha mais emoção.”
Dia 7 a 15 - “Uma das assistentes é responsável em desenhar paisagens e contextualizar o ambiente em que se passa a história. Nesses dois quadrinhos ao lado você pode reparar a diferença: enquanto faço a personagem, a minha ajudante completa com o fundo. É o processo chamado arte-final.”
Dia 12 a 14 - “Enquanto fazemos o capítulo, envio a prévia para o editor. Se ele não tiver sugestões ou pedidos de mudança (coisa que raramente acontece), conseguimos acabar o trabalho mais ou menos no prazo. Também aproveitamos o processo para fazer os retoques finais.”
Dia 14 - “O prazo de entrega acontece por volta do dia 14. Confiro página por página para ver se não há nenhum erro, ou se deixei de complementar algum detalhe. Se as 33 páginas estão ok, envio para a editora. Caso eles aprovem, a arte vai para a gráfica e….”
Dia 27 - “Finalmente, depois de alguns dias sendo compilado à revista com capítulos de outros autores, o mangá chega impressa às bancas no dia 27. Você está muito enganado se acha que eu estava descansando nesse período. Enquanto o mangá está na gráfica, aproveito para fazer “bicos” como ilustrador de livros e games.”
Então minna, o que acharam da história dele?Eu gostei muito ^^, gostaria que isso acontecesse comigo, mas eu também não posso fiacar parada certo? ^^ Se você também quiser isso, então vamos lá e comece a trabalhar para que isso aconteça ^^ (aaaah! Agora realmente essa parte ficou parecendo auto-ajuda, sem comentários sobre isso ok? XD)
Fonte: revista Made in Japan - nº 137, Janeiro de 2009
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